Catálogo Raisonné Arthur Bispo do Rosario

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Em 25 de julho, Frederico Morais inaugurou a exposição À margem da vida, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), da qual foi curador. Tratava-se de uma mostra de trabalhos realizados por pessoas em condições de privação de liberdade, como menores infratores, detentos e idosos asilados. No intuito de convencer Bispo do Rosario a emprestar suas obras para a exposição, visto que para ele aqueles objetos tinham outra finalidade, Frederico Morais pediu ajuda a Hugo Denizart. Ele acabou concordando e foi a primeira vez que suas obras foram mostradas ao público em um museu de arte. Segundo o curador, participaram da mostra 15 estandartes, ao lado de trabalhos de outros artistas da CJM, como Itaipú Lace, Muniz, Osvaldo Kar e Antônio Bragança. Havia ainda peças que faziam parte do recém-inaugurado museu da instituição, o Museu Nise da Silveira. No mesmo ano, Hugo Denizart lançou o documentário O prisioneiro da passagem, sobre Bispo.

 

No relato abaixo, Frederico Morais conta alguns detalhes da exposição:

“Responsável pelo Departamento de Artes Plásticas do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, eu realizei uma exposição, inaugurada em 25.7.1982, à qual dei o título de À margem da vida, reunindo trabalhos realizados por presidiários, idosos de asilos, crianças da FUNABEM e pacientes psiquiátricos. Para cada um desses segmentos contei com a colaboração de Victor Arruda e Marluce Brasil (crianças), Monica Machado de Almeida (idosos), Denira Costa Rosário (presidiários) e Maria Amélia Mattei e Hugo Denizart (Bragança e Bispo do Rosario, da Colônia Juliano Moreira). Não posso garantir, mas talvez tenha sido a primeira vez que um museu de arte moderna no Brasil reuniu, em uma única mostra, obras de arte realizadas por integrantes de quatro segmentos marginalizados de nossa sociedade. E foi nessa exposição que Arthur Bispo do Rosário pôde ser visto, pela primeira vez, como artista. Os quinze estandartes nos quais bordou textos e imagens deslumbraram os visitantes. À mesma época, o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart realizava seu documentário sobre Bispo do Rosário, O prisioneiro da passagem, título inspirado na obra de Foucault. Trata-se, na verdade, de uma entrevista com Bispo do Rosário, que aparece vestindo seu Manto da Apresentação, mas em nenhum momento ele é referido como artista”.

Também descreve alguns detalhes de seu primeiro contato, agora pessoal, com Bispo do Rosario e da negociação que se seguiu:

“Pouco depois, acompanhado de Denizart, fui à Colônia Juliano Moreira conversar com Bispo do Rosário. E como todos que o visitavam, quando cheguei à porta de sua cela-ateliê, me submeti ao teste que consistia em identificar a cor de sua aura. Aprovado, entrei. Conversamos por cerca de uma hora. Ofereci-lhe, naquela oportunidade, todo o segundo andar do bloco de exposições do Museu de Arte Moderna (que é seu espaço nobre) para que apresentasse suas obras. Recusou, alegando que eram apenas registros e que não poderia separar-se delas. Ofereci-lhe, então, uma sala-dormitório, localizada no mesmo bloco, para que pudesse acompanhar em tempo integral a mostra”.

No texto escrito por Hugo Denizart para o catálogo da exposição – no qual uma foto em preto e branco apresenta um detalhe do estandarte Colônia Juliano Moreira/Reconheceram o filho de Deus –, chama a atenção o seguinte trecho:

“Outro dia, uma psicóloga me abordou a respeito de um dos expositores – Artur (sic) Bispo do Rosario – idade aproximada de 69 anos – internado na Colônia Juliano Moreira desde 1939. Ele está delirando dizendo que seu material vai para Paris! Eu respondi – Mais (sic) o material vai a Paris. E pensei comigo, louco só tem o direito de ser louco, louco não viaja, louco só serve para ser degradado. Esse foi um dos motivos por que nos interessa em divulgar esses trabalhos realizados por pacientes da Colônia Juliano Moreira”.

 

 

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